Thursday, February 23, 2006

Esta página refere-se a contos na vida marinheira, todos verídicos, embora ampliado para melhor se imaginar o que foi a vida marinheira do autor.

HORAS DE VIGÍLIA NO MAR

Hoje, apesar da longevidade, ainda tenho a satisfação de relembrar os dias de minha adolescência na Marinha, onde ingressei aos dezessete anos de idade, na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará, no dia 14 de dezembro do ano de 1942.
Naquele ano o Brasil já havia declarado guerra aos países do eixo, cabendo então à Marinha de Guerra o patrulhamento das costas e o comboio de nossos navios mercantes e os de países aliados em tráfego pelas águas territoriais brasileiras e mesmo estrangeiras, considerando o torpedeamento de muitos navios nacionais e alguns estrangeiros em nossas águas, resultando o sacrifício de centenas de vidas preciosas, se fazendo assim necessária a ação decisiva de nossa Marinha, que inicialmente deslocou suas duas maiores belonaves - encouraçados “São Paulo”e “Minas Gerais” para os portos de Recife e Salvador, respectivamente, onde ficaram sediadas até o final da Segunda Guerra.
Todavia, as tarefas mais sacrificadas foram determinadas aos cruzadores “Rio Grande do Sul” e “Bahia”, contratorpedeiros, caça-submarinos, corvetas e lanchas de patrulha, que se faziam ao mar em qualquer situação impulsionadas pela bravura e o sentimento de patriotismo de suas tripulações, pois então não se dispunha de material bélico adequado, fator primordial para o nosso país cumprir sua missão.
Do ponto mais elevado das belonaves, precisamente nos cestos de gávea, localizados no mastro principal, se podia “varrer” os horizontes com mais precisão, com ajuda de binóculos, para melhor se localizar o perigo permanente que se constituía na presença oculta dos submarinos inimigos..
Da eficiência do vigia do horizonte dependia toda a segurança do navio e, conseqüentemente, da tripulação, senão do próprio comboio.
Excetuando-se os destróieres-escolta e os caças-submarinos cedidos pelos americanos, os demais navios sequer dispunham de frigoríficos, conseqüentemente sem condições de conservarem alimentos perecíveis, obrigando a que a alimentação fosse apenas de víveres que não exigissem cuidados especiais.
Água, só se dispunha para o preparo da alimentação e o consumo do próprio navio nas caldeiras. Banhos, somente com água salgada durante todo o tempo que durasse a viagem.
Mas, todas as dificuldades eram encaradas com sentimento patriótico e muita fibra marinheira, e qualquer sacrifício exigido jamais foi negado.
Toda e qualquer atividade a bordo era de vital importância para a segurança dos navios, pois estes não podiam ser pegados de surpresa pelos submarinos inimigos que infestavam os mares. Entretanto, a função do vigia era muito mais importante e sua atenção era tanta que muitas vezes ao anunciar “periscópio a vista”, imediatamente era tocado postos de combate... quando na realidade se tratava, muitas vezes, de simples pedaços de madeira lançado ao mar por navios mercantes que integravam os comboios, embora fosse proibido o lançamento de lixo ao mar, para não deixar pista ao inimigo... sempre de atalaia.
Muitas vezes os próprios peixes que costumam nadar mais à superfície, suas barbatanas cortando as águas davam o mesmo aspecto do periscópio ou da esteira deixada pelos torpedos quando lançados. Portanto, eram válidas quaisquer informações do vigia do horizonte, mesmo as anormais, pois enquanto eram checadas as informações, a tripulação já havia guarnecido seus postos de combate para dar cabo ao inimigo se sua presença fosse constatada.
À noite, a atenção era redobrada, exigindo até que os navios navegassem às escuras, sendo proibido fumar no convés. E tudo que à noite refletisse brilho era evitado no convés, onde se faziam marcações com cal ou com cordões fluorescentes para orientar os que transitassem pelo convés para guarnecer os postos.
Se o jogo do navio se fazia sentir acentuadamente até mesmo no convés, é de se considerar o sacrifício de quem guarnecia o cesto de gávea.
Eram poucos os que não enjoavam quando guarnecendo aquele posto, mesmo se o mar se apresentasse espelhado, pois menor que fosse o balanço dava a impressão de que o navio ia virar... principalmente para os que ainda não estavam habituados àquele serviço. E quando o mar estava encapelado, muitas vezes era necessário o uso de balde para em caso de enjôo ser utilizado... até mesmo pelos veteranos.
Sistematicamente, devido à pouca velocidade de alguns navios mercantes, a marcha padrão do comboio era regulada pela do navio de menor velocidade.
Assim, mesmo para se cobrir percursos entre portos nacionais, muitas vezes se levava até dez dias ou mais de viagem, dependendo da distância entre os portos... e o raio de ação dos navios mercantes que integravam o comboio
De um modo geral, os navios mercantes de então desenvolviam entre oito a dez milhas horárias; conseqüentemente para cobrir um percurso de 2000 milhas se gastava entre 9 a 10 dias, dependendo também das condições do mar.
Nos percursos entre portos nacionais e estrangeiros, os navios empregados eram bem mais velozes. Todavia se adotava a “marcha de cruzeiro”, levando sempre em consideração o navio de menor velocidade.
Finalmente, quando o navio aportava, mesmo no estrangeiro, a tripulação não deixava de baixar a terra, mesmo que fosse pela madrugada.
Era comum os navios de guerra que faziam o comboio entrar nos portos apenas para reabastecimento, logo se integrando em outro comboio, de retorno ao porto de origem, quer do exterior para o Brasil ou mesmo entre portos nacionais. Era a necessidade de se ganhar tempo.
No regresso então, o tempo de licença era aproveitado ao máximo, fosse para o convívio com a família ou para o desfastio da vida de bordo durante tantos dias no mar.
Em portos nacionais e estrangeiros não havia restrição para a marujada, ainda que houvesse para os militares das outras armas, principalmente no Brasil.
E quantas vezes se chegava à meia-noite em determinados portos e ao amanhecer já se deixava o porto! Nessas circunstâncias então não havia licenciamento.
Portanto, quem sobreviveu da Segunda Guerra Mundial, tendo feito comboios e patrulhamento nas costas do Atlântico, viveu sua própria odisséia, principalmente se uma vez, apenas, vigiou o horizonte guarnecendo o posto de observação do cesto de gávea quando o navio em viagem.
As poucas horas de vigília por outras tantas de descanso, quando a disponibilidade de pessoal permitia, justifica a inatividade remunerada que hoje desfrutam os ex-combatentes das Marinhas de Guerra e Mercante do Brasil
As horas de vigília experimentadas em minha adolescência quando na Marinha, foram a testemunha insofismável de que um adolescente pode chegar até a ser herói, mas o foi quase que inconsciente, como seria o meu caso, pois vibrava com a idéia de ingressar na Marinha. E, mais tarde, já embarcado, sempre me apresentava voluntariamente para as missões mais árduas ou perigosas, pois naquela idade (18 anos) não me amedrontava o perigo, e até exultava de contentamento quando ouvia o costumeiro toque de postos de combate, na expectativa mais sôfrega de ver o meu navio abrir fogo contra navio inimigo, como se os nossos navios fossem invulneráveis.
Igualmente vibrava quando na iminência de ataque do submarino já plotado, ser necessário o lançamento de bombas de profundidade, mesmo sem a certeza de que atingiriam o alvo.
Era nessas ocasiões que o vigia do mastro mais se interessava pela localização de destroços ou mesmo manchas de óleo do submarino inimigo se acaso fosse atingido, embora também utilizassem desse artifício para escapar ilesos dos ataques e depois voltar a atacar.
A aparição de submarinos inimigos, principalmente à noite, era muito freqüente quando nos comboios de navios mercantes transportando víveres, combustível, armamento, etc. para nós ou para os aliados.
Felizmente, dos comboios que a Marinha brasileira participou, apesar de serem freqüentas as tentativas de ataques, nem um resultou em baixa para nossa frota.
Hoje faço uma pálida avaliação de qualquer que seja a guerra, pois ainda que para ser herói de verdade fosse necessário tirar a vida de um semelhante, declinaria então da honraria.
Que doravante nossa luta permanente seja simplesmente pela tão almejada paz, para que todo o Universo se confraternize. E que as grandes potências ditas poderosas, não voltem a usar suas armas para o extermínio da humanidade que por DEUS foi criada.
Lembremos que o dia da Vitória é de alegria para uns e de tristezas para outros, que talvez tenham lutado sem sequer saberem o verdadeiro motivo pelo qual tiravam a vida de seus semelhantes... e ainda tendo que prestar contas um dia ao Criador, que por certo os isentará de culpa, se sabe que foi no estrito cumprimento de ordens... e não propriamente do dever.
E hoje se me fosse dado o ensejo de ainda guarnecer um posto de “vigia”, eu queria de preferência que fosse no mar, precisamente no cesto de gávea do mastro de uma belonave, para perscrutar os mesmos horizontes dos mares onde estão sepultados os heróis marinheiros que deram a vida pela Pátria. E não esqueçamos jamais que o oceano é o túmulo mais digno para os marinheiros das gloriosas Marinha de Guerra e Mercante do Brasil.
Seria, pois, a hora da vigília da despedida, porquanto a vigilância permanente dos nossos mares agora é feita por DEUS e pelas nossas belonaves, que sistematicamente cruzam os mesmos mares que outrora foram palco de sangrenta luta que ceifou a vida de milhares de brasileiros, deixando até hoje muitos lares para sempre enlutados.
Na memória da Pátria se exalce o valor das Marinhas de Guerra e Mercante - Sentinelas permanentes dos mares na união dos povos livres e amantes da Liberdade!!!

José Augusto de Oliveira

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